sábado, 6 de setembro de 2014

Viver não é a pressa

O tempo é moderno e há frases velhas, que não merecem ser repetidas, porque... caducaram. "A pressa é inimiga da perfeição" está desatualizada. Como um gadget, precisa de update. É o seguinte: a pressa é inimiga da compaixão.
Tenho lido sobre a banalidade do mal, descrita por Hannah Arendt, e combinado a filosofia dela com pouco de estudo de psicologia do comportamento médico nos EUA.
Pacientes não são enfermos, mas consumidores. Não têm nomes, mas códigos. Não é muito diferente do que acontecia com o nazismo: os judeus eram batizados com sequências de números burocráticos que tinham a finalidade de matar antecipadamente, com o adiantamento da crueldade.
Um dos braços direitos de Hitler nunca melou as mãos de sangue. Ficava em seu gabinete, provavelmente bebendo uísque de melhor qualidade. Mas era o responsável pelo funcionamento da engrenagem assassina de Auschwitz. Historicamente, sabe-se que ele afirmava agir como determinavam a lei e o Estado que vigoravam à época: não havia maldade porque ele só cumpria ordens.
Com a indústria médica, não parece ser muito diferente. É claro que há exceção, mas as estatísticas em que tenho passado os olhos demonstram que médicos apenas seguem as regras do mercado: não há mal algum em não ter compaixão com os pacientes, se obedecem o mandamento de que tempo é dinheiro, a vida é assim e dessa forma tudo fica explicado.
A banalidade do mal é não perceber que a nossa conduta impõe a dor de muita gente, ou a aceita, sem reflexão. É fazer o mal, não exatamente por criá-lo diretamente, mas por não estar preocupado se ele é consequência dos nossos atos.
Nesse norte, é o mal configurado pela pressa de satisfazer determinada burocracia que, no final das contas, pagará o nosso salário. Há pouco tempo para satisfazer os nossos desejos individuais: por que deveríamos preocuparmo-nos com os outros, mais fracos, que não têm o nosso vigor?
Minha crença tem sido construída pelos meus estudos. Mas não tenho lido sem direção. Parto da pergunta: qual é a forma mais justa e correta de viver? Acontece que, quanto mais vivo, e estudo, percebo que viver apressadamente é um belo modo de construir o caráter de um imbecil.
A vontade que temos de construir o nosso individualismo, e reforçá-lo, é tão grande como é a natureza da nossa vaidade. Mas temos outra característica inata: é pensar que, possivelmente, existe algo maior que nosso umbigo.
Possuímos a faculdade de pensar e devemos usar nosso escritório para isso. Embora a atividade mental imponha o uso do tempo, é o que nos permite descobrir que a nossa atividade profissional não é mero exercício de números, mas o que nos permite fazer o bem. Viver refletindo sobre nossa conduta é perceber que, diante da existência do sofrimento e da certeza da morte, a pressa perde o valor.

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